Infelizmente, o pop-punk ainda é um mundinho onde as mulheres têm pouco protagonismo. E não falamos apenas do número reduzido de bandas com meninas, mas também da pouca representatividade feminina em gravadoras, produtoras e até em veículos de comunicação.
Mas, aos poucos, isso está mudando e, se você procurar direitinho, com certeza, encontra meninas fazendo coisas bem legais por aí. Por isso, na semana do Dia Internacional da Mulher, decidimos trazer a vocês uma entrevista com duas meninas que estão desenvolvendo um trabalho dentro do pop-punk: Natasha Heinz e Gabriela Cavalheiro, as criadoras do canal Seis de Outubro, que está no YouTube.
No papo, além de falar da origem do projeto e da paixão das amigas pelo McFly, falamos também sobre as histórias de má conduta sexual envolvendo integrantes de bandas da cena. Esperamos que você goste da entrevista! Veja abaixo:
Not Dead: Então meninas, como vocês se conheceram, mesmo antes do canal?
Natasha: A gente se conheceu em 2008. Isso é meio vergonhoso, talvez… mas a gente era muito fã de McFly e tinham vários grupos no Orkut para fãs de cada cidade e estado. Em Porto Alegre, a gente fazia encontros e nós nos conhecemos assim. Além do McFly, a gente também gostava de muita banda em comum, bandas que faziam parte da cena emo de Porto Alegre, digamos assim. E foi assim que a gente se aproximou.
Gabriela: Isso… tudo culpa do McFly.
Not Dead: Vocês duas são jornalistas. Chegaram a estudar juntas depois?
G: Não, eu estudei na PUC e a Nat na Federal. Mas ela é mais velha do que eu, então começou a faculdade antes.
Not Dead: Como surgiu a ideia de fazer o canal? Vocês já tinham algum projeto juntas antes dele?
G: A gente chegou a ter um blog há muitos, muitos, anos atrás. A ideia era falar de música, mas da perspectiva de fã. Só que não deu muito certo e a gente meio que esqueceu disso. O canal surgiu porque eu e a Nat conversávamos sobre criar alguma coisa na área, criar conteúdo sobre música, pop-punk, coisas que a gente ama. Aí decidimos usar o YouTube. Pensamos que vídeo seria uma mídia diferente, mais legal.
N: A gente sempre conversou muito sobre música, comentava as notícias, falava sobre as notícias e o que estávamos ouvindo. E a gente pensou em compartilhar um pouco das nossas conversas com as pessoas, só que de um jeito mais criativo.
Not Dead: E da onde que surgiu o nome? É referência a alguma coisa?
G: (risos) A primeira vez da vida que o McFly pisou em Porto Alegre foi em seis de outubro de 2008 e foi a partir dessa data que a gente ficou muito mais amiga, começou a ficar mais envolvidas e enlouquecidas por bandas, porque a gente era bem obcecada.
Not Dead: Como funciona a divisão de funções de vocês?
G: Boa pergunta, na real (risos). Meio que a gente combina os vídeos e os conteúdos juntas. Geralmente acontece de a gente conversar sobre um assunto e pensar “bah, isso dá um vídeo legal”. Em termos de podcast, acabou que a Nat pegou mais essa parte, porque ela gosta mais. A parte dos vídeos, a gente ainda está vendo como funciona, mas, no ano passado, por exemplo, eu estava mais responsável por pensar nas coisas, ficar de olho nas notícias da semana pra gravar.
N: E na questão da edição, cada uma edita o vídeo que faz.
G: No máximo, a outra dá algum suporte. Por exemplo, pra agilizar, faz uma pesquisa das imagens enquanto a outra está editando.
Not Dead: E como faz com a logística para gravar os vídeos? Você moram bem longe uma da outra, uma nos Estados Unidos, outra em Porto Alegre. Como resolver essa distância?
N: Eu não vejo a distância como um grande problema, porque a gente faz tudo basicamente pelo Skype. Falamos por lá pelo menos uma vez por semana, mas a gente sempre teve essa ideia de fazer as coisas separadamente. Quando o canal começou, eu já morava fora e a gente gravou o primeiro vídeo juntas, mas queremos mostrar perspectivas diferentes do mesmo assunto. Eu gosto muito quando gravamos vídeos juntas, mas não dá pra fazer isso muito seguido. Então a tecnologia facilita muito a vida!
Not Dead: E meninas, por que vocês acham que é importante abrir esse espaço pra falar de pop-punk? O que motiva vocês além da paixão pelo assunto?
G: Acho que é porque não tem quase ninguém criando conteúdo nessa área. E, por mais que seja um nicho pequeno no Brasil e muitas pessoas pensem que o pop-punk e o emo morreram, saíram de evidência, tem muita gente que gosta. Ainda tem muita banda nova, então é preciso ter veículos que falem sobre isso. Tem que ter mais representatividade e espaço na mídia.
N: No exterior, tem bastante coisa. Sempre falamos dos vídeos que a gente assistia, dos podcasts, e a gente não conhecia nada igual no Brasil. Ao mesmo tempo, nas redes sociais você vê que tá tendo uma ressurgência. Achamos que criar um canal no YouTube seria um jeito de entrar na conversa com um conteúdo novo.
Not Dead: Como foi para vocês começarem a divulgar esse trabalho? Sabemos que é um trabalho de formiguinha pra engajar a galera!
G: Sim, é um trabalho de formiguinha mesmo. A gente resolveu usar bastante as redes sociais e escolheu o Twitter e o Instagram para usar mais que o Facebook. Mas eu sinto que vai muito do boca a boca.
N: A gente tem amigos que gostam também, então eles vão ajudando a divulgar. Mas a Gabriela fez dois vídeos em shows que tiveram em Porto Alegre e ela falou com pessoas que obviamente não são do nosso círculo e que não conheciam o canal. A gente recebeu várias respostas de pessoas assim. No show do 5 Seconds Of Summer era um pessoal bem novinho, que veio falar com a gente depois, e disseram que não conheciam nenhuma das bandas que a gente mostra, mas se interessaram e foram ouvir. Eu me lembro que uma menina falou do Waterparks e eu achei super legal, vi que estava influenciando pessoas a ouvir coisas que não têm tanta divulgação na mídia do Brasil, se tu pensa em rádio, TV etc..
G: Disso de shows, eu aproveitei que ia gravar e levei cartões meus e eu escrevi atrás “canal Seis de Outubro” e as redes e tudo mais. Acho que isso até que deu certo.
Not Dead: Até agora quais foram os momentos mais marcantes para vocês?
G: Acho que foi muito legal essa menina que veio nos mandar mensagem no Instagram dizendo que gostava só de 5 Seconds Of Summer e, por causa do canal, começou a ouvir várias bandas e ficou muito empolgada com Waterparks. Foi ali que a gente conseguiu perceber que estava dando certo.
N: Com certeza esse momento. Quando tu é jornalista e escreve sobre algo que você gosta, o objetivo é sempre fazer as pessoas ouvirem, conhecerem… e quando tu recebe uma mensagem assim é muito gratificante. Tem milhares de pessoas pra quem eu gostaria de falar isso. Sites que eu cresci lendo e que me influenciaram a ouvir muitas coisas que ouço hoje em dia.
G: Outro momento que fiquei bem orgulhosa foi quando fizemos um vídeo de 50 fatos sobre o Neck Deep e, pela primeira vez na vida, a gente recebeu um comentário pedindo outras bandas. Era Mayday Parade. Ficamos muito felizes que as pessoas gostaram e pediram mais.
Not Dead: Vocês acabaram de falar de veículos que acompanham. Tem algum canal que você se inspiram para fazer o Seis de Outubro acontecer?
G: Acho que uma boa inspiração foi o canal de uma menina chamada Paige Backstage. A gente também acha que a Alternative Press influenciou bastante. Inclusive um repórter que eles tinham, o Nick Major. Por mais que ele seja meio pé no saco, ele também é uma influência (risos).
N: A Paige Backstage faz uns vídeos super legais de música, ela não é super jornalistona, ela tem esse lado mais de fã, então ela sempre fala das coisas que ela gosta e deixa bem claro isso. Os temas dos vídeos são muito legais. O Nick Major não fala mais sobre pop-punk e música, mas no início, antes dele ficar muito popular a gente acompanhava. A gente via pelo Snapchat, era algo bem legal, que ninguém fazia ainda. Outra coisa também, é o Podcast, porque eu ouço um de dois ex-repórteres da AP. Eles dão a opinião deles como pessoas que não trabalham mais no meio musical e eles têm muito conhecimento, muito interesse. Eu achei que era um negócio legal de fazer em português. Depois, quando estávamos no segundo podcast, a gente até foi descobrir que existia um outro podcast sobre pop-punk no Brasil, mas eles não fazem quase nunca, mas é legal também, também ouço.
Not Dead: Nós escutamos alguns podcasts e queríamos falar um pouco sobre um assunto que chamou atenção, que é “mulheres na cena”. Vocês até comentaram sobre uma foto do Alex. Queremos saber o que vocês pensam do assunto depois de tudo que rolou ano passado. Será que mudou alguma coisa e mulheres têm mais espaço na cena?
G: Obviamente existe, porque existe espaço para mulheres em qualquer lugar. Acho que melhorou, mas muita coisa ainda precisa mudar. Essa semana eu até vi uma entrevista com as meninas do HAIM, que nem são pop-punk, e elas falaram que a grande lição do feminismo na indústria é que as mulheres precisam de mais oportunidades nesse meio. Trazendo isso para o pop-punk, como uma menina que gosta desse gênero, todas as bandas são sempre de homem, os repórteres são sempre homens… então acho que quanto mais meninas ocuparem posições de evidência, trabalhando em produtoras, produzindo shows ou até conteúdo, vai fazer com que mais mulheres percebam que podemos fazer isso. Muita coisa precisa ser feita, mas acho que estamos conseguindo. Pelo menos nós quatro estamos fazendo nossa parte.
N: Existe sim bastante mulher fazendo coisas por trás das câmeras. Eu faço um esforço de seguir bastante jornalista mulher, muita fotógrafa, social media, meninas que trabalham em gravadoras e tal. E eu não sei se isso está me dando a impressão que tem mais mulher do que realmente tem, mas realmente são os homens que ganham mais destaque, por um motivo. E essa foto que o Alex postou mostra que isso é muito comum. Não é só naquela turnê que tinha só homem, a maioria é assim, ou tem uma mulher ou outra. Não é porque não tem meninas trabalhando com essas coisas, mas é porque existe preconceito de que elas não vão gostar de estar na estrada, não vão aguentar ficar na van. Ouvi isso numa entrevista que fiz uma vez de que, por ser mulher, você tem que se cuidar ao entrar no ônibus de uma banda… eu achei ridículo. Eu não estudei jornalismo por seis anos para entrar no ônibus de uma banda, namorar o cara de uma banda, se esse fosse o objetivo, eu tinha feito isso com 16 anos, é só colocar um decote que as coisas acontecem.
Not Dead: E recentemente isso ficou bem forte com a questão de o Jesse Lacey, do Brand New, ter assediado uma repórter. Ainda precisa ter progresso.
N: Exatamente. Fica muito para a mulher, que não pode fazer isso nem aquilo. Mas isso vale para o homem também. Como eles estão numa posição de privilégio, mais alta, tem que ter um esforço por parte deles para dar espaço para as mulheres e serem menos babacas, no rastro do Jesse Lacey e outros.
Not Dead: Aproveitando esse assunto, o fim do ano passado teve uma avalanche dessas notícias. Passamos uma semana falando só disso. Vocês acham que foi um primeiro passo para fazer o rolê pop-punk mais seguro para as mulheres?
G: É o primeiro passo. Esse dominó de acusações foi muito desgastante. Foi horrível como mulher e como produtora de conteúdo. Eu e a Nat tivemos muitas conversas e reflexões de vida, a partir de tudo que rolou. Principalmente da parte de responsabilidade de falar dessas bandas acusadas de assédio. Mas acho que não pode ser uma coisas de que falamos muito em 2017, em 2018 falamos menos e, em 2019, o pessoal já esquece. Acho que vai ser bom, mas vai ter muita luta para uma menina ir em um show sozinha e se sentir segura. É um tema muito difícil, mas espero que dê certo.
N: Quem está falando disso são as meninas mais novas e elas têm uma mentalidade sobre não aguentar abuso e não ficar quieta, que eu não tinha quando tinha essa idade. Coisas que eram normalizadas quando eu era adolescente já não são mais. É legal ver essa mudança. Mas é o início e muita coisa tem que ser feita! Espero que como jornalistas, a gente possa fazer a diferença de alguma forma. Mas também não devemos crucificar e julgar as pessoas que querem continuar ouvindo Brand New, porque nunca vai mudar a importância que essa banda teve na cena e na música em geral. Temos que pensar em como a gente pode seguir em frente, a partir de tudo que a gente viu no ano passado.
Not Dead: Agora um assunto mais leve: estão pensando em desenvolver alguma novidade para esse ano?
G: A Nat mora nos Estados Unidos e nós temos uma ideia que queremos desenvolver há um tempo. A gente quer mostrar a diferença entre um show nos Estados Unidos versus um show no Brasil, em termos de fãs, produção, preparação, fila e tal. Só é complicado porque temos que coordenar a agenda das duas.
N: A gente também está mudando o formato do nosso podcast. O primeiro foi com o Not Dead!. A gente quer fazer mais entrevistas, falar com mais pessoas envolvidas na cena e tentar envolver o máximo de gente possível. A ideia é mostrar como está a cena agora, o que está e o que não está legal, e o que as elas pensam.
Fire questions:
Not Dead: Qual foi o último disco que compraram?
N: O último foi o do SWMRS, em dezembro. Fui em um shows em dezembro e comprei. Não tenho muitos vinis, mas sou colecionadora de CDs.
G: O meu acho que foi um álbum do William Beckett. Faz tempo. Eu não sou muito de comprar CDs, os últimos foram comprados em 2014. Nesse ano, eu fui em um show do William Beckett nos EUA e comprei uns três CDs dele lá.
Not Dead: Um guilty pleasure:
G: Dá pra dizer que é McFLY. Marcou tanto a adolescência…
N: Não tenho muita vergonha do que ouço… mas eu era muito obcecada por One Direction, todo mundo que me segue nas redes sociais sabem disso.
Not Dead: Uma série para maratonar:
G: Grey’s Anatomy...
N: E sempre The O.C.
Not Dead: Complete: Pop-punk...
G: Vou dizer uma frase que usamos no podcast. Pop-punk também é pop.
N: E um clichê também: pop-punk não é uma fase!
G: Essa frase é maravilhosa!
Gostou do papo? Você pode conferir muito mais no canal das meninas!
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